Relações de interesse - Uma reflexão sobre Jó

Gostaria de retomar um assunto de que já escrevi ano passado numa postagem chamada Relações de interesse e aprofundar sua reflexão num livro da Bíblia que me parece falar exatamente disso: o livro de Jó. Sobre isso eu já li um texto que falava exatamente sobre o que escrevo agora, mas não me lembro onde li, se alguém souber, pode deixar um comentário.

O livro começa falando sobre um certo homem chamado Jó e o apresenta assim: "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal." (Jó 1:1). Fala de sua família, suas posses e dos sacrifícios que fazia a Deus por si e por seus filhos.

 A seguir, a vida de Jó é tema de um diálogo entre Deus e Satanás:

"Perguntou ainda o Senhor a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal.
 Então, respondeu Satanás ao Senhor: Porventura, Jó debalde teme a Deus?
 Acaso não o cercaste com sebe, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste, e os seus bens se multiplicaram na terra.
 Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face.
 Disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está em teu poder; somente contra ele não estendas a mão. E Satanás saiu da presença do Senhor." (Jó 1:8-12)

Satanás faz acusações fortíssimas contra Jó e, implicitamente, contra Deus. Coloca em dúvida a integridade de Jó e diz que não passava de interesse, afinal Jó tinha uma vida abençoada por Deus e, portanto, valia a pena ser fiel a esse Deus. E mais, disse que se Jó perdesse tudo, ele viraria as costas para Deus. Satanás desafia a Deus a tirar-lhe tudo e ver se Jó seria o mesmo com Ele.

Indiretamente, também é uma acusação contra Deus. Satanás, no fundo, está acusando Deus de "comprar" o amor e a fidelidade de seus servos com bençãos. E, com isto, está querendo colocar Deus no mesmo patamar que ele (porque é ele, Satanás, que compra a fidelidade de quem o serve). É uma acusação carregada de inveja e uma tentativa (frustada, óbvio) de afirmar que Deus não é muito diferente do que ele.

Esse é o ponto onde quero chegar. Se dizemos que a relação com Deus só vale a pena por causa das bençãos que Deus pode dar, da prosperidade, da saúde, da família perfeita, do sucesso, enfim, do fim de nossas dores, então estamos dando razão ao diabo. Nosso amor é falso, é interesseiro e Deus nos comprou com suas bençãos. A fé em Deus funciona? Ótimo, então eu dou glórias a esse Deus, Deus de favor, que cumpre suas promessas, que faz milagres, mas tem que ser sempre em meu benefício, não esqueça. Eu dou o dízimo, então as janelas dos céus tem que se abrir, bençãos sem medida. Eu sou fiel (que tolice essa de falarmos pra Deus que somos fiéis no sentido de não pecar), portanto praga nenhuma pode me atingir, bençãos e mais bençãos... E o diabo prova sua tese do nosso interesse no divino.

Por isso que eu rompi com a teologia da prosperidade. À luz desse texto de Jó, na minha opinião, ela é uma teologia diabólica, justamente porque dá razão às acusações de Satanás a nosso respeito e a respeito de Deus. Se tem feito um bem na vida das pessoas é uma outra discussão, depende do que entendemos por bem.

Satanás tirou tudo de Jó e ainda o pôs cheio de feridas pelo corpo todo. Fez de Jó um pobre-coitado, doente e digno de pena. Contudo, Jó permaneceu fiel a Deus. Felizmente Jó contrariou a lógica do diabo e, no fim, Deus ainda lhe restaurou tudo, dando-lhe em dobro. Mas lembre-se que se suportamos tudo de ruim só porque, no fim, Deus vai abençoar de novo, isso também é interesse.

"Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma." (Jó 1:22)

"Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra.
 Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus.
 Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim." (Jó 19:25-27)

"Então respondeu Jó ao Senhor, dizendo:
 Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido.
 Quem é este, que sem conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que não entendia; coisas que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia.
 Escuta-me, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás.
 Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos.
 Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza." (Jó 42:1-6)

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